terça-feira, 27 de novembro de 2012

Chuva

Adoro ouvir o barulho da chuva. Desde pequeno me identifico mais com climas frios e molhados. A sensação de limpeza, de trabalho cumprido e de que virá um novo dia é o que me faz gostar tanto de ver a água levando para debaixo da terra todas as porcarias que fazemos durante o dia.

O clima frio, muito mais do que o calor, nos dá vontade de trabalhar, de produzir afinal, com a agitação do corpo esquentamos, nos fazemos aquecer e nos sentimos vivos. Exatamente o oposto do que acontece no calor, com aquele mormaço que nos impede de ficar vestidos, sem vontade de trabalhar e esperando a noite cair para dar uma trégua. Não tenho dúvida que o clima impacta a produtividade e própria vontade de ser alguém. Não é possível fazer-se produtivo se nem mesmo nos aguentamos, muito menos se não conseguimos ficar vestidos.

Está chovendo agora. Não consegui dormir e estou lendo alguns textos para me distrair. Facebook e Tweeter perdem a graça de madrugada, quando todos dormem também não ficam postando bobagens para ficarmos lendo. No meio deste pensamento alguns raios e uma torrente de água esfriou mais ainda o tempo. Abri a janela e fiquei vendo a chuva em contraste com a luz do abajour. É incrivel como existem alguns chavões e clichês que por mais o sejam ainda fazem sentido. Sinto-me sozinho hoje. Tem clichê maior que este ? Sentir-se sozinho as 3 da manha com a chuva chovendo ?

Sinto-me sozinho na maioria dos dias do ano, mas hoje especialmente sinto-me mais. A solidão da falta de compreensão é uma das piores. A solidão dos gênios, como dizem os livros - o que certamente não é meu caso, mas que todos passamos um dia - é aquela onde nossas idéias, assuntos e interesses simplesmente não estão contidos no dia-a-dia de quem está perto de você. Vive-se junto e ao mesmo tempo distante e nestas horas, tão distante que parecemos estar em outra galáxia. Simplesmente nada se interpõe, causa impacto ou gera qual forma de intersecção que possa desembocar em uma conversa ou troca de idéias.

São dois mundos separados por anos luz de distância mesmo com você sentado ao lado das outras pessoas que normalmente convive. Acho que é um sentimento bem comum para todos, ainda mais neste ambiente hostil de cidade grande, outro clichê (tá duro hoje !), que para pessoas menos suscetíveis aos relacionamentos como eu, em alguns momentos parece o lugar ideal. Mas não é.

Nossa necessidade de sermos diferentes muitas vezes extrapola nossa capacidade de adaptação ao outro. Acabamos por ser, pelo menos por alguns momentos, tão diferentes que nos isolamos. Não nos tornamos especiais por causa disto, somente o que já somos. Normais, porém por alguns momentos diferentes de quem nos rodeia. É um sentimento comum, como eu já disse, a todos os seres humanos.

A chuva passou. Foi um rápido evento de alguns minutos que baixou a temperatura alguns 3 graus, limpou as ruas e jogou os copos, cigarros e comidas direto aos bueiros. Claro que ficarão entupidos. Mas saírão da nossa vista. No final é o que importa: sair da vista.

Jogar para debaixo do tapete. Qualquer barbárie pode acontecer, contanto que eu não a veja. Leva-se muito ao pé da letra o ditado que diz se os olhos não vêem o coração não sente e com isto, vamos destruindo a grande parte do que encostamos. Depois de nós passam outros escondendo o que fizemos, esperando que aquilo por um passe de magica suma. Somos seres em evolução, porém nossa percepção de quão pouco evoluídos somos ainda assusta algumas vezes. Simplesmente nossa percepção sobre nós mesmos é ridícula de tão ignorante. E o efeito disto é o que vemos no dia-a-dia.

A chuva deveria durar mais tempo. Quanto mais tempo ela cair, mais sujeira ela joga para debaixo da rua e mais perdoados estaremos no dia seguinte para podermos começar tudo de novo. Acho ainda que a chuva passa uma sensação de redenção, de dever cumprido e de fim de ciclo. É só uma sensação, eu sei, pois no dia seguinte está tudo igual de novo: café da manhã, levar na escola, parar o carro, ler o jornal, falar com as pessoas, tomar decisões, almoçar, comer a cada 3 horas, se encher de café, fazer reuniões, voltar para casa ... e ficar mudo até o dia seguinte. Esperando que a chuva venha para limpar toda a sujeira que fizemos no dia anterior.

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