domingo, 18 de maio de 2014

Economia Colaborativa

Há um bom tempo não lia algo tão interessante como o desenvolvimento desta tal economia colaborativa. Quando não somente produtos e consumidores fazem parte, mas quando consumidores entre consumidores começam a usar seus bens e serviços comprados de produtores para fazer negócios entre eles. Não necessariamente usando recursos financeiros, mas também trocando por bem e serviços cujo valor absoluto - aquele que estamos acostumados quando compramos qualquer produto - é trocado pelo valor relativo que cada um dá ao que possui ou ao que deseja.

O site TED tem algumas palestras interessantes sobre o tema, mas a que me chamou mais atenção foi do Jeremy Rifkin que vi semana passada, mostrando como este tipo de iniciativa está mudando a forma como a economia se organiza.



Certamente não por coincidência, na Exame desta semana saiu uma matéria exatamente sobre o mesmo assunto mostrando como a prefeitura de Seul está mudando o conceito de TER, pelo de COMPARTILHAR, permitindo que diversas salas publicas possam ser alugadas para se fazer reunião, carros possam ser usados alugando-se por dia e estacionamentos, ou vagas vazias para automóveis, podem ser alugadas por períodos de necessidade, não com tarifas mensais, mas por hora. Mais interessante do que isto é quem está promovendo este tipo de mudança na forma que a pessoas acumulam bens e serviços: a própria prefeitura. Seul é uma cidade de 10 milhões de habitantes que certamente possui os mesmos problemas que São Paulo. Assim como várias capitais do mundo.

Estou agora assistindo outra palestra do TED, de uma mulher chamada Rachel Botsman também sobre lidar com a questão do excesso de bens e produtos em uma sociedade que talvez usar comece a ser mais importante do que ter. Este é o link para o livro dela na Amazon, que claro, já comprei ... mas para o Kindle.




E sinceramente, na minha visão, este tipo de mudança na forma de ver bens duráveis é revolucionária. Afinal, por que temos um carro se o usamos somente para ir até o trabalho e voltar? Meu carro fica o dia todo na garagem. Ele não poderia estar sendo usado por outra pessoa que precise também do carro o dia todo ?  Sei que é difícil conceber algo assim em um país como o Brasil afinal, neste exemplo específico o carro ia ser roubado ! Mas pense em CD´s e DVD´s. Por que os compramos ?

A mesma lógica se aplica a brinquedos de crianças pequenas, que quando crescem (e crescem rápido) não os querem mais. Brinquedos que foram usados 10 vezes no máximo são descartados novos ou doados para instituições de caridade. Ficamos com aquela sensação de que fizemos o bem para o próximo e para as criancinhas carentes, mas na prática é uma alívio pois tiramos aquele trambolho de dentro de casa. Mas a prática do ato pode ser replicada em montes de outras coisas que nunca nos demos conta até agora. Por que agora?

Quando a internet começou o problema era que não confiávamos na rede. Ter um sistema SAS - ou como dizem hoje, na nuvem - , era algo impossível, pois as empresas não conseguiam conceber ter seus dados em qualquer lugar diferente de seus próprios servidores. Esta neura foi acabando com o tempo e hoje queremos mais é que os dados fiquem longe dos custos fixos gerados para nossas empresas. Sistemas como Sales Force que controlam toda a área de vendas - tem informação mais fundamental que esta em uma empresa ? -  é todo na nuvem !! E ninguém se pergunta se seu concorrente verá seus leads comerciais ou seus clientes.

Depois a questão passou a de pessoas confiando em pessoas afinal, o que me garante que o DVD do Fernando não está quebrado ou riscado ? Apesar de esta preocupação ainda existir, os sites de leilão com o ebay mostraram que a confiança entre fazer negócios entre pessoas é mais um processo, uma barreira, que precisa ser quebrada do que um problema estrutural. Os sistemas de avaliação ajudaram bastante nisto. Fazer sistemas que aumentam a transparência das transações foi um degrau importante para que os negócios entre pessoas fosse disseminado.

Até que surgiu o Napster, que mudou a indústria da musica de uma vez por todas. Não precisávamos mais comprar de uma empresa as músicas que queríamos ouvir, mas simplesmente pegá-las do computador de um cara nos EUA, que por sua vez tinha pegado de uma cara da Alemanha, fazendo um linha quase infinita de compartilhamento chamada na prática de P2P, ou peer-to-peer.

Este sistema tinha o problema do incentivo para a produção de conteúdo original, claro. Afinal o artista vai viver de fama somente ? Alguns críticos, eu entre eles, dizem que que com a disseminação da cultura por redes os artistas vão viver de fazer shows a um publico exponencialmente maior que seu publico anterior e vender merchandising. E isto os irá sustentar, e não mais a venda de CD´s. Na prática é mais ou menos como preferir vender 1 MM de CD´s ou fazer 300 shows por ano para 50MM de pessoas. Mas a indústria conseguiu por um fim no Napster, pois a venda de mídia ia acabar com os estúdios e não com os artistas.

Não demorou muito para que mais uma vez houvesse uma solução melhor: streaming. Com as redes de dados aumentando suas velocidades exponencialmente, o custo do armazenamento de informações reduzindo o preço por megabyte na mesma velocidade, o desenvolvimento da musica colaborativa entrou no espectro e sem dúvida é uma solução ótima.

Quando as gravadoras acabaram com o Napster, veio  Itunes e os Ipods da Apple onde as músicas eram compradas e armazenadas em suas caixinhas de muita memória. Era possível ouvir milhões de musicas, mas o fato é que regredimos na questão de compartilhamento, uma questão que o Napster de Shaw Fanning levantou lá atrás. A questão não é somente a quantidade, mas o valor delas. Andamos para trás e ainda demos um poder gigantesco à Apple que virou a maior loja de musicas do mundo. Sim, foi uma revolução, pois acabou com as megastores com a Virgin, mas não estou sendo 100% justo aqui. Evoluíamos na questão da mídia. Paramos de comprar CD´s, para comprarmos conteúdo. E este foi o primeiro passo para o que temos hoje em termos de colaboração.

De fato não precisamos de CD´s !! Nem de livros !! Apesar de eu adorar tê-los e ter uma biblioteca considerável, o que me interessa é o conteúdo deles. E o conteúdo não é um bem físico, não toma espaço no mundo, somente megabytes na minha cabeça. E quando compramos um destes bens, usamos, lemos, ouvimos e tudo aquilo já ficou guardado. Por que precisamos da mídia em si, do meio físico ? E se pudéssemos dispor deles quando quiséssemos revisitar uma obra ? Isto é o streaming.

No Deezer, pagamos um miséria por mês e temos acesso a um acervo de mais 10 milhões de musicas para ouvirmos onde quisermos. Contanto que haja uma rede de alta velocidade no lugar - algo cada vez mais comum. Não estou sendo um profeta quando digo para meus amigos que a era do Ipod já foi. Não precisamos mais guardar músicas, somente ouvi-las. Não precisamos mais ter livros, somente lê-los em nossas maquininhas de leitura, que ocupam o bolso de trás do jeans.

A economia colaborativa permite então que toda a parte física do processo comercial onde ter o bem faz parte do sentimento de sentir-se dono, tende a se tornar obsoleto. Não precisamos ter o bem, somente usufruir dele quando precisamos e ainda temos o sentimento de posse, mas do conteúdo, não do bem ! Imaginem a economia de matéria-prima que este tipo de mudança pode gerar. Muito mais do que qualquer ação ecológica. Simplesmente não precisamos comprar nada que não seja completamente consumível.

Acho a ideia sensacional e o potencial de destruir criativamente a economia que vemos hoje é imenso. O Airbnb, que aluga quartos de pessoas que tenham disponibilidade, fez o ano passado o setor hoteleiro de NY perder 1 MM de diárias.

E os desafios não param por aí. Como o Estado cobra impostos de algo que não pertence ao fluxo natural de negócios ? Se quero alugar meu carro que fica o dia todo na garagem para uma outra pessoa que irá usá-lo o dia todo, como o governo iguala esta transação ao de aluguel formal de carro feito pela Localiza ? Se algo assim se desenvolve, o poder deflacionário é ainda mais intenso, pois certamente o custo de eu alugar meu carro será muito menor do que o da Localiza. Se possuo um grupo de 10 pessoas que confiam em mim e eu confio que elas não quebrarão meu carro, a Localiza perdeu potencialmente 10 clientes, bem como as montadoras de carro. Imagine isto em proporção geométrica.

A palavra de ordem para algo como isto acontecer é a confiança entre as partes. E esta confiança que no inicio da internet não existia nem entre empresas, está mudando rápido o comportamento das pessoas. E confiança tem a ver com responsabilidade. Que tem a ver com educação.

Estamos voltando ao que sempre fizemos quando o capitalismo começou, mas agora auxiliados por ferramentas que nos auxiliam a entender com quem estamos fazendo negócios. A nossa reputação, e não somente quanto temos em nossa conta corrente, é que vai fazer a economia colaborativa funcionar.Seremos avaliados por sermos mais ou menos confiáveis em nossas relações de troca. E vejam que hoje, quando pesquisamos algo no Google, nada disto sai quando pesquisamos o nome de alguém, ou seja, este tipo de percepção ainda é pouco difundido. Em breve, quando colocarmos o meu nome ou o seu no Google, uma parte da resposta será sobre quão confiável somos atra´ves de nossa reputação em redes sociais de comércio peer-to-peer. E isto, porque ainda nem falei dos bancos e a intermediação financeira. Será que precisamos dos bancos para emprestar dinheiro para pequenas empresas e pessoas ? E se tivéssemos o mesmo nível de informação ?

É algo muito revolucionário. É estrondosamente disruptiva uma mudança neste tipo de relação entre as pessoas e que certamente vai mudar como nos relacionamos entre nós, com dinheiro e com os bens que possuímos.

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