Nesta última viagem, primeira para mim, conhecemos mais profundamente o ambiente político do país pós-eleição de Olanta Humala, o novo presidente do país.
Falamos com uma advogada com um currículo invejável que é a ex-primeira ministra do Peru, atual presidente da Associação dos Fundos de Pensão, e conhece profundamente as pessoas atualmente envolvidas na cena política atual. Frases como “estive com Humala tomando café semana passada” foram citadas várias vezes durante o encontro.
Segundo a mestra Yoda, a inclinação centrista de Humala não é fingimento temporal e que ele tem uma postura bastante equilibrada quanto aos temas do país e como lida com os assessores. A aproximação com Lula, bem como a aproximação com seus marketeiros como Luis Favre, foi muito benéfica para que Humala entendesse os desafios que iria enfrentar depois que fosse eleito. Afinal, “uma coisa é papo de candidato e outra de presidente eleito”, segunda a própria mestra. Comparando Humala ao Lula, Lula tinha a vantagem de ser mais comunicativo e um negociador mais experiente. Humala, pela sua educação militar, é mais fechado, preto no branco, com um perfil até de “destruidor de inimigos”, coisa também herdada da sua educação. Até que ponto este seu perfil influenciará sua gestão ? Saberemos quando começarem a discordar dele. No começo, tudo é mais fácil e a coalização com a oposição tem ajudado.
Algumas questões importantes comentadas na reunião foram com relação ao caráter de Humala e sua disciplina advinda de uma formação militar de 20 anos, inicialmente bastante positivas. A parte ruim disto é sua potencial inflexibilidade para trabalhar nas zonas cinzentas da política peruana, onde não existe necessariamente o certo e o errado. Ele terá dificuldade em lidar com uma base de apoio fracionada no congresso, caso sua aproximação com a oposição não surta efeito nas decisões menos ortodoxas que poderá tomar.
Até agora, a negociação que está sendo feita com as mineradoras para subir o valor dos royalties pagos ao governo tem sido motivo de elogio por todos que conversamos, tanto na política quanto nas empresas. Todos elogiam a postura tranqüila e coerente que o governo tem tomado nesta discussão e inclusive, até onde vimos, ele terá sucesso nesta primeira incursão o que aumentará a arrecadação do país.
Ao mesmo tempo, existem dúvidas quanto a um tema que já está causando estranhamento no país, que é sua aproximação com os cocaleiros. Fonte eterna de discussões com os Estados Unidos por causa do combate às drogas, para que Humala fosse eleito ele teve que prometer várias coisas a este grupo que não necessariamente será bem visto pela população e pela classe política (oposição). Este será um tema controverso neste seu início de governo e precisamos ficar atentos aos desdobramentos que pode gerar, pois sua base de apoio e seus assessores nos ministérios dependem muito da aprovação da oposição para conseguirem trabalhar. Humala inclusive nomeou um cocaleiro como secretário do combate às drogas, o que causou reação furiosa que deve, segundo ela, terminar com o secretário sendo sacado do cargo
Também explicou a composição do Conselho do Banco Central, algo importante que está em definição agora (ela tinha uns inside informations). É como o Copom daqui. Formando por 7 pessoas sendo: 1 o presidente, 3 indicados pelo Congresso (que segundo ela devem ser 2 de mais de direita e 1 de esquerda pela formação atual do congresso), 3 indicados pelo Presidente (sendo 1 uma pessoa próxima a ela, Marina alguma coisa, que segundo ela é muito boa - e mais uma indicação positiva do novo presidente.
O Peru aprovou também uma “lei da consulta”, pela qual propostas do governo precisam ser expostas à população primeiramente. Em termos práticos, isto tem aproximado as mineradoras (que têm sido o objeto da primeira reforma do novo governo) da população que depende delas.
Vale ressaltar que segundo nossa segunda conversa, com um senador da oposição, bastante mais pessimista que a mestra Yoda, a função da mídia no Peru como catalisador de mudanças políticas é uma piada. Existe pouca tiragem de jornal e a maioria das pessoas lê somente as manchetes da primeira página. Este inclusive é um dos motivos para que, segundo este senador, não exista risco de uma intervenção mais profunda no controle da mídia. Ninguém liga muito para o que a mídia fala, esta que é a real.
Ao mesmo tempo, a própria atração que Humala tinha com Chávez, algo que tem saído muito na tal mídia que ninguém lê, está perdendo força tendo em vista a doença do ditador e sua provável morte em um curto espaço de tempo, o que faria o novo presidente ficar ideologicamente órfão. Lula, por outro lado, é também um líder carismático, mais central, mas não está mais no governo e por isto suas opiniões são somente opiniões sem caráter mais sério para as potenciais decisões estapafúrdias que Humala poderia tomar se resolvesse debandar para o lado de Chávez, Corrêa (Equador) ou Evo Morales. O que estou dizendo é que Lula não resolve a questão de apadrinhamento ideológico de Humala, mas ao mesmo tempo interfere em sua tendência a cair no gosto dos citados acima. O que não deixa de ter um bom viés.
Segundo este senador, a base de assessores do presidente é muito ruim. De pessoas politicamente mortas há muitos anos e com uma ideologia política e econômica bastante retrógrada. E isto, segundo ele, é uma bomba-relógio. Resultado disto foi quem Humala colocou como Ministro dos cocaleiros, que já está causando uma série de problemas por sua tendência a defesa da produção de coca, indo de encontro ao bom relacionamento com os Estados Unidos. Inclusive no dia que estávamos falando com a ex-primeira ministra, ela saiu no meio da reunião para falar com Hillary Clinton, que estava no Peru e queria conversar. E segundo ela, era exatamente sobre este tema.
Não conseguimos entender que ponto o pessimismo deste senador tem aderência com o que está acontecendo. Afinal, o país há alguns anos cresce a 8% ao ano, e vendo como é a cidade de Lima, percebemos a enorme quantidade de oportunidades que existem, tanto na parte de transportes, infra-estrutura viária, setor imobiliário e infra-estrutura de modo geral. Seu temor, em linhas gerais, é que o discurso centrista de Humala seja de fachada, e esteja durando apenas pelo momento econômico delicado. Segundo ele, Humala não tem caráter de líder e deve sofrer maior influência da “ala ruim” da esquerda em breve, abrindo as portas para um governo mais populista. De qualquer forma, teremos que esperar para ver.
Claro que uma classe política acostumada com um governo que por anos beneficiava os ricos em detrimento de uma distribuição de renda mais justa vai reclamar do Humala, pois no limite perderão algumas bocadas. Mas já vimos isto aqui quando o Lula entrou e na média, a distribuição de renda fez mais bem ao país do que a manutenção do status quo. É uma questão de física, manter uma condição é mais fácil e despende-se menos energia do que criar uma nova rota. Por isto, não vejo muitas opções. Não ver uma oposição bem pessimista com suas atitudes mais pró-distribuição de renda é que esperaria de fato. E mesmo assim, o tal senador reclamou da falta de unidade da oposição (e ele é de líder de direita histórico). Algo que também já vimos no Brasil com o PSDB no governo Lula.
Uma coisa importante que o senador comentou é que apesar do seu pessimismo político, no Peru historicamente a economia e a política "não se misturam", e por sinal nos aspectos econômicos o pessimismo dele era menor.
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