Depois de passar feriado enfurnado em uma casa sem muita coisa para fazer a não ser ler, ir a praia e ficar na piscina, a vida começa a se apresentar um pouco maior do que as cores pálidas das cidades grandes.
A falta da televisão diária com seus temas recorrentes sobre destruição, tristeza e outros que tem o objetivo de fazer os telespectadores acharem, no final, que até que suas vidas são boas acaba por nos tornar mais introspectivos. Somos programados a não nos sentirmos tristes ou desamparados. Programados a olhar pro lado e ao invés de nos analisarmos de forma absoluta, fazermos por comparação, de forma relativa com a vida de outra pessoa. É intuitivo, não por sermos assim, mas porque somos levados a ser assim, afinal, é mais fácil e gera menos transtornos.
Não podemos ser tristes ou pobres já que tem outras pessoas que são “mais” do que a gente. Que bobagem. O absoluto completa, preenche, pois tem sentido (nem que seja só para gente); o relativo é frágil, vazio e sem sentido afinal, o que leva cada um a ser como é, é algo que nunca vamos saber e por isto, nos analisarmos com base nisto nos leva somente a um beco sem saída e a uma pergunta que não terá resposta. E somos induzidos a nos contentarmos com isto.
A introspecção não como fim, mas como meio para poder aproveitar-se do tempo que sobra em um lugar como este me deixa vulnerável para o que mais tenho medo. Eu mesmo. E é exatamente isto que a cidade grande e nossa vida corrida mais nos tira: nossa capacidade de nos analisarmos por dentro sem restrições morais ou regras sociais, nossos pensamentos e o que realmente queremos.
Às vezes em cima de objetivos que nem lembramos mais quais são, somos levados por um tsunami de eventos novos que se encavalam com as tarefas diárias fazendo com que nosso dia-a-dia torne-se um exercício doloroso de cumprimento de metas e execução de trabalhos. O pior é que por causa disto esquecemos porque de fato estamos ali. Fazendo aquilo, daquele jeito, para quem e porquê.
Estes dias na praia, depois de alguns embates psicológicos sobre o que estou fazendo neste lugar que não tem nada para fazer, acabo me acostumando com a vibe do lugar e com um ritmo mais moderado, mais parecido com o que queria quando comecei há muito a trabalhar: uma casa sossegada e um lugar para refletir, escrever e ouvir música. Até tinha esquecido disto !
Depois de passar três dias sem me deixar corromper pelo ambiente, estou vivo. Resisti bravamente à natureza e ao sossego. Li a Exame PME inteira, o jornal todos os dias, a Revista Exame inteira e ainda preciso terminar a New Yorker e a Fortune. Tentei trabalhar também, abrindo meu caderno e escrevendo as minhas idéias sobre as coisas que preciso executar, as formas de se fazer ou de falar algumas coisas sempre para ter meu objetivo atingido. Como se estivesse tentando me convencer que não pertenço a este lugar, que estou aqui de passagem e que, portanto, não posso me acostumar com esta moleza e falta de foco. Ledo e nada mais do que um auto-engano.
Hoje pela manhã, depois ter dormido muito bem sem o barulho dos carros, motos e caminhões que sobem a av. São Gualter à partir das 5 horas da manhã, acordei mais vencido, mais ameno às intempéries deste ambiente hostil ao trabalho, às metas e às realizações. Resolvi ler a Revista VIDA SIMPLES, que está aqui desde a semana passada. Minha decisão não poderia ter sido mais acertada.
Mais do que uma leitura fora do ambiente de negócios, é uma revista que possui um objetivo quase hercúleo se colocarmos que seu púbico-alvo são as pessoas como eu, que vivem nas cidades e naquela vida. Ela tenta re-valorizar o básico, o simples, o fácil e o natural.
Depois de ler sobre as empresas, seus balanços e pesquisas demográficas de consumo, fui abençoado por uma leitura leve sobre a vida de Walt Whitman (autor americano que escrevia sobre a vida), produtos que tem como objetivo a preservação do meio ambiente, a infantilização dos adultos que não conseguem se responsabilizar pelas suas decisões e o que fazem aos outros (dilemas morais) e uma seção de críticas sobre filmes, livros e CD´s de gente que eu nem sabia que existia, que está fazendo coisas bem legais e fora do circuito Wall Street -Faria Lima-Vila Olímpia que vivo.
No final, uma matéria que parece que foi escrita para mim e para o momento que estou vivendo aqui: DESAPEGO.
A análise de um livro sobre o efeito do desapego dos bens materiais na nossa vida. A jornalista, muito bem humorada, viveu ela o exemplo dado pelo livro e começou a se desfazer de 50 coisas materiais que a rodeavam com o objetivo de deixar sua vida e sua psique mais leve. Algo que eu particularmente acredito e que sei como é difícil.
A forma como ela ia fazendo isto era explicando porque nos apegamos, porque não queremos nos desfazer e os fios que nos prendem a bens materiais que de fato, não significam muito; apesar de demonstrarem quem somos, no que acreditamos e como nos relacionamos com nossas memórias afetivas. Muito interessante e até certa forma uma matéria libertadora.
Depois de ler a Revista toda, sempre TODA, por causa desta minha mania de não parar antes de terminar (um inferno isto, por sinal, e nada a ver com esta vibe), senti-me menos propenso a FAZER e mais propenso a PENSAR. Deu-me uma enorme vontade de parar tudo e escrever. Escrever sobre algo que para mim é tão difícil: o desligar dos neurônios capitalistas, urbanos e materiais. Em sua mais ampla forma e contexto.
Olhando para dentro, mesmo que não seja com muita profundidade, sinto mais vontade de escrever. Sinto mais vontade de aprender um instrumento musical e ler algo menos técnico como o que estou lendo hoje, “A marcha dos grilos canibais”.
Sei que isto é passageiro e é só eu ler alguns emails sobre o que acontece fora daqui que meu tino e meu instinto de caçador acordam na hora. Mas não deixa de ser interessante como podemos ser mais de uma pessoa dependendo da influência do meio que nos cerca. Hoje, especificamente, gostaria de ser outra pessoa; mas sem deixar de ser eu mesmo.
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