(acima, capa da The Economist de 5 de junho de 2009)
Apesar de não concordar com esta alta desenfreada da bolsa brasileira, não posso negar que existem indicadores que de fato fazem sentido para isto. No curto prazo e sem o menor fundamento.
O mais relevante deles é o aumento do gasto estatal chinês, transformando-o no maior comprador de commodities brasileiras. Passaram os EUA neste último mês. O mundo hoje se move em cima do gasto estatal (e vamos de Keynes mais uma vez) tanto americano quanto chinês.
As diferenças entretanto são muito claras e com desfechos muito diferentes do que antes fora feito: (i) na China este gasto estatal é mais do que necessário e vêm gerando grandes superávits ano após ano para o país, o que é ótimo afinal, lá ainda não tem salário mínimo, saúde universal, esgoto encanado, estradas asfaltadas etc. Há de fato muito o que se fazer e este fato beneficia diretamente os trabalhadores. Recursos estes que hoje sustentam o crescente déficit americano (USD 700 bi em titulos do Tesouro). O que nos leva ao item (ii) nos EUA, o desemprego continua subindo mesmo com os trilhões colocados na economia para salvar bancos e empresas. Bateu 9,4% no início de junho. Podemos dizer que o dinheiro está indo indiretamente para a economia real e não como foi depois da crise de 1929, e como a China hoje, que o governo foi o maior contratador direto de mão-de-obra, pagando gente para fazer buraco e mais gente para tampar. Nada mais básico do que emprego, salário, renda, consumo.
Índices de bolsa não se sustentam somente com gasto estatal, sem a contra-partida privada – que são os maiores contratadores de MDO. É preciso que a economia privada reaja, pois é ela que impulsiona o emprego, renda e consumo (de novo !), gerando contas superavitárias e mais impostos recolhidos que equilibram, em última instância, as contas dos governos e os investimentos feitos através de dívidas (Treasury bonds). Governos, além de pagar dívidas, precisam investir nos serviços que cabem ao Estado, como educação, saúde e infra-estrutura.
Como esta dinâmica será criada em uma economia debilitada como a americana que precisa sustentar continuamente seu déficit e ao mesmo tempo investir em saúde, infra-estrutura e educação : Além disso, o crédito enquanto os bancos não se tornarem empresas solventes de novo, não vai retornar. Sem crédito não há consumo de bens duráveis ou imóveis. Mercados estes muito empregadores e geradores de renda.
A dinâmica do governo dando dinheiro aos bancos que não conseguem emprestar gera um abismo de problemas, pois sem crédito a economia não deslancha, não retoma e por isto, não volta a contratar, pagar salários e consumir. Vetor este da produção, que paga impostos que precisam ser usados para investimentos e para pagar o serviço da dívida. O dinheiro dado a empresas, como GM - que acabou sendo estatizada, em última instância (apesar de não concordar) faz mais sentido do que dar dinheiro aos bancos sem a obrigatoriedade de o emprestarem. O aumento da dívida americana é mais ou menos com um buraco: quanto mais tira, maior fica.
Na outra ponta, com uma dívida crescente e financiada em sua magnitude por investidores privados e os governos chinês e japonês, a única saída para se reduzir este endividamento sem uma reação econômica à vista do setor privado é aumentar os impostos.
Entramos então em um dilema econômico quase sem saída. Aumenta-se os impostos para sustentar os investimentos governamentais e manter os credores, mas em uma economia combalida deve-se reduzir impostos e não aumentá-lo, para justamente dinamizá-la.
Ao mesmo tempo, para reduzir o custo do endividamento e fazer com que a inércia econômica seja quebrada, os juros básicos precisam cair. Mas esta queda, tem impacto direto nos detentores dos títulos americanos, vulgo chineses, japoneses e investidores privados.
Estes investidores procuram um porto seguro e rentável para colocar suas reservas e aplicar em uma economia combalida e que ainda por cima paga pouco (juros baixos), realmente não é a idéia deles de Bom Investimento de Longo Prazo. O dólar perde força como moeda quando estes investidores resolvem aplicar em outros ativos mais confiáveis e com um retorno melhor. Vendendo dólares, o que faz os juros explodirem para cima.
Mas os EUA, como vários países da Europa, não podem se dar ao luxo de agora, perder investidores que os estão financiando e por isto, aumentam os juros para mantê-los. Bom no curto prazo, mas péssimo para o longo prazo, tanto para os devedores quanto para os credores. Afinal, dinheiro não dá em árvore, precisa ser produzido e daí recolhido via impostos ou ganhado via comércio. Juros altos, bancos falidos e falta de comércio gera estagnação econômica. E então de onde virá o dinheiro para pagar os juros aos credores :
Em cada renegociação de 10, 5 e 2 anos os spreads dos títulos do tesouro americano estão sendo puxados para cima desde o final do ano passado, aumentando o custo da dívida, reduzindo recursos do governo para investir na economia e por conseguinte, diminuindo as chances de dinamizá-la tanto pelos juros crescentes (crescimento do serviço da dívida), quanto pela falta de investimento estatal.
Segundo o economista Keneth Rogoff de Harvard, a cada 1% de aumento dos juros americanos, a dívida do Estado cresce em serviço R$ 170 bilhões por ano.
Desde o final de 2008, o benchmark para os títulos do tesouro americano para 10 anos subiu 1,5 ponto percentual, passando de 2% ao ano para 3,54%. A maior alta em 15 anos. Em 10 anos, representará nada menos que 82% do PIB, ou USD 17 trilhões. Nos EUA, o endividamento que no final de 2008 representava 41% do PIB representará 65% no final de 2010; sem perspectivas de cair daqui até lá.
Na Alemanha não foi diferente. No mesmo período, passou de 2,93% para 3,57% e na Inglaterra de 3,41% para 3,78%. É uma questão de tempo para que os investidores que hoje financiam os EUA percebam que estão em uma bela roubada e passem a procurar outros “portos seguros”.
Somando-se a este ambiente a péssima saúde financeira dos bancos que não conseguem emprestar nem a juros baixos, imagine se os juros subirem .... o que em segundo plano aumentará o risco de crédito, calote e afins.
Em resumo, os juros devem se manter baixos. Mas não podem. Os impostos não podem subir, mas subirão, pois os juros precisam ser pagos. Os investimentos do estado não podem parar. Mas invariavelmente vão, pois os recursos são limitados e estão indo em grande parte para o serviço da dívida. A China e o Japão não podem deixar de investir nos EUA, mas podem à qualquer momento – como inclusive já estão discutindo. Não podemos esquecer que o segundo maior credor americano, o Japão, está de novo em recessão e precisará usar recursos próprios para dinamizar sua própria economia.
A única coisa que ainda faz sentido no longo prazo é o gasto estatal chinês que hoje, com um crescimento de PIB que este ano baterá de novo os 8%, sustentará o mundo. A China ainda consome muitas commodities e o Brasil é seu maior produtor e exportador. Voilá .... por isto estamos subindo.
A pergunta que fica é se somente um motor chinês para puxar todas as outras economias é suficiente. Eu acho que não. E o Brasil não é feito somente de commodities, que hoje representam somente 32% do PIB, apesar de 70% do Índice Bovespa.
Assim, acredito que o Índice Bovespa subindo 42% no ano é uma aberração econômica temporária. Quem ganhou este ano dinheiro nas ações de primeira linha realize e se dê por satisfeito. Não é mérito: é sorte. E um raio não cai no mesmo lugar duas vezes.
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