segunda-feira, 21 de junho de 2010

Valor Econômico, Caderno de Finanças

Um ensaio magnífico saiu hoje no Valor sobre os profetas do apocalipese financeiro, como o Dr. Doom Nouriel Roubini. Uma ótima análise e histórico de suas previsões, e de outros do mesmo time, e os incentivos que as geram.

Vale a pena ser lido afinal, quando a gente só fala mal, uma hora acontece ! E isto não significa ser gênio, somente fatalista e um baita pessimista de plantão. Mas em termos práticos, um analista destes é tão ruim quanto um que só fala que tudo vai bem.

A contrariedade em nome da notoriedade?

Jessica Silver-Greenberg, Bloomberg Businessweek
21/06/2010 - Reuters/Fred Prouser

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A analista bancária Meredith Whitney abriu sua própria firma, aproveitando a celebridade conquistada

Durante a grande festa mundial do crédito, que durou cinco anos e levou à crise de 2008, uns poucos economistas e investidores deliberadamente decidiram ficar de fora. Eles ficaram murmurando em tom negativo como tudo iria acabar como a ressaca do século. Eles eram párias. "Fui criticado e chamado de idiota", diz Michael Panzner, um corretor de valores e escritor, que começou a prever o colapso em 2005. "Parecia um daqueles sujeitos que segura um cartaz prevendo o apocalipse."

Quando o Lehman Brothers quebrou e os mercados mundiais mergulharam em sincronismo, Panzner já havia publicado um livro intitulado "Financial Armageddon: Protect Your Future from Economic Collapse" e logo seguiria com "When Giants Fall: An Economic Roadmap for the End of the American Era". O pessimismo é um ativo contracíclico; quando a economia cai, a reputação profissional dos catastrofistas vai às alturas. Subitamente, eles passaram a ser pessoas que adoram festas. Gary Shilling, um veterano guru dos investimentos que vive em Nova Jersey, foi festejado por acertar todas as suas 13 diretrizes de investimentos para 2008, a maioria envolvendo a recomendação de venda de ativos bancários e imobiliários.

A analista bancária Meredith Whitney, que havia chocado seus colegas com um relatório devastador sobre o Citigroup quando este ainda era visto como fundamentalmente sólido, abriu sua própria firma, aproveitando a celebridade conquistada. Um obscuro professor da Universidade de Nova York chamado Nouriel Roubini, também conhecido como dr. "Doom" (dr. Apocalipse), passou a ser a principal atração do circuito internacional de palestras, atraindo muitos fãs.

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Roubini vê colapso em quase todos os lugares, inclusive no Brasil, uma das economias de melhor desempenho

Então, o cenário começou a mudar. Durante a maior parte do último ano a economia dos Estados Unidos caminha devagar rumo à recuperação. Embora longe de ensolarado, 2009 não trouxe consigo o flagelo de pessoas que perderam tudo vivendo em tendas, ou fazendo fila por um prato de comida, conforme apostavam alguns dos pessimistas ("bears", no jargão do mercado) mais radicais. O Departamento do Trabalho dos EUA informou que 431.000 novos empregos foram criados em maio, representando o quinto mês seguido de crescimento. Em abril, as vendas no comércio cresceram 8,8% em relação ao mesmo período do ano passado. Os grandes bancos de investimento superaram as expectativas de lucros dos analistas e os mercados ganharam 80% em apenas pouco mais de um ano. A confiança do consumidor está em alta e o PIB americano, embora nada vigoroso, cresce ao ritmo de aproximadamente 3%. Gradualmente, os "bears" foram perdendo proeminência e a maioria - embora não Roubini - saiu do noticiário.

Agora, com os mercados demonstrando novos sinais de pânico, grande parte emanada da crise da dívida na Europa, os holofotes estão se voltando novamente para eles. Apesar das evidências de melhoria das condições, a maior parte dos bears estão mudando muito pouco suas perspectivas, quando mudam. O que levanta a dúvida: será que o pessimismo persistente deles é um sinal de um pensamento guerreiro e não-conformista, ou sua negatividade se transformou em um tipo de interesse - a contrariedade em nome da notoriedade? Para descobrir se eles devem ser temidos ou ignorados, a Bloomberg BusinessWeek reuniu alguns dos mais destacados bears de 2008, traçou o desenrolar de suas previsões sombrias e avaliou para onde eles acreditam que a economia vai.

Em 2004, Roubini, hoje com 52 anos, previu uma recessão iminente que seria provocada pelos déficits comerciais dos EUA e um repique nos preços do petróleo e das taxas de juros. Ela não veio. Em 2005, ele novamente disse que haveria uma recessão. Ela não veio. Ele revisou suas análises e voltou a prever uma crise para 2006. Naquele ano ele participou de uma reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) e previu a chegada do estouro do mercado imobiliário residencial, dizendo que "os EUA provavelmente vão enfrentar um estouro imobiliário inédito (...) e uma recessão profunda".

Depois que as previsões de Roubini finalmente se concretizaram e o mundo cambaleou em 2009, ele disse que os preços do petróleo continuariam baixos ao longo do ano, recuando para entre US$ 30 e US$ 40 o barril, e que o índice de ações Standard & Poors iria cair para 600 pontos. Nada disso aconteceu. O petróleo subiu para US$ 70 o barril em novembro e o S&P atingiu o fundo do poço nos 676 pontos, para depois ultrapassar os 1.000 pontos. Mesmo assim, Roubini vê colapso em quase todos os lugares, inclusive no Brasil, uma das economias de melhor desempenho. Em um evento realizado em São Paulo no mês passado, ele disse que há o risco de um "superaquecimento" da economia.

De volta aos EUA, onde ele recentemente comemorou a publicação de "Crisis Economics: A Crash Course in the Future of Finance" com uma grande festa oferecida por Ken Griffin da Citadel Investment Group, Roubini continua cético em relação aos bancos, assim como com as dívidas do governo americano, a ponto de retomar suas previsões. Em uma entrevista dada em 11 de maio ao jornalista Charlie Rose, Roubini observou que o governo pegou cerca de US$ 40 bilhões em dívidas ruins do extinto Bear Stearns e disse que "esse aumento da dívida pública é algo que me preocupa". Chamou o socorro da AIG de "um erro" e, quando espetado por Rose, disse que "as taxas de juro zero estão levando a uma bolha global de ativos".

Roubini é o principal nome entre a comunidade dos profetas do mercado que se orgulham de não participar do establishment de Wall Street. Essa independência, afirmam, permite com que eles vejam as distopias que as pessoas que estão dentro do sistema não conseguem ver. Comparado a outros, as previsões de Roubini são moderadas. A maioria tende a ver um mergulho duplo como quase uma certeza, com a segunda perna da recessão devendo ser mais brutal e desestabilizadora que a primeira.

Um dos mais famosos desses outsiders radicais é Robert Prechter. Na década de 1970 ele reviveu um velho sistema de avaliação da psicologia dos investidores chamado "Princípio de Elliott Wave", usando-o para aconselhar os assinantes de sua newsletter de investimentos em 7 de outubro de 1987, dizendo que eles deveriam liquidar suas posições. Duas semanas depois, veio o crash do mercado. Prechter foi saudado como gênio - embora o rótulo não tenha pegado. Ele continuou pessimista ao longo da década de 1990 e em 2002 disse que o índice Dow Jones iria cair abaixo dos 1.000 pontos. Ele subiu 25% no ano seguinte e continuou em alta até 2007.

Segundo Prechter, 61, a não ocorrência do crash conforme ele esperava, serve apenas para mostrar que ele será mais devastador quando ocorrer - e que isso poderá acontecer agora. Em março, ele previu corretamente que o mercado havia atingido o fundo do poço e disse que haveria recuperação. Está em curso. O índice Standard & Poor's 500, diz, vai cair abaixo do menor patamar registrado em março de 2009. "Depois de um pico em 2010, o mercado de ações deverá cair por seis anos."

Embora seu pessimismo continue o mesmo, a base dele mudou. Desta vez, ele está calcado nas medidas dos governos. "O governo está agindo como se fosse o último bêbado da festa. Está gastando num ritmo sem precedentes, regulando as partes mais diminutas de nossas vidas e se pavoneando por aí como se estivesse resolvendo problemas na medida em que os cria." O que virá em seguida, segundo Prechter? Outra crise nos mercados imobiliário e de ações. "A próxima crise vai englobar mercados que já atingiram seus picos: ações, commodities e imóveis. Mas ela também vai se estender para áreas que até agora vinham se saindo bem, especialmente os bônus corporativos e municipais, os bônus garantidos por ativos e até mesmo muitos bônus soberanos.

Entre os "outsiders", Nassim Nicholas Taleb, 49, é o principal polemista. Famoso por intimidar plateias de banqueiros (que o convidam para falar e pagam cachês de cinco dígitos) e reagir com agressividade a críticas negativas sobre seu trabalho, Taleb passou a ser cultuado quando publicou "Fooled by Randomness: The Hidden Role of Chance in the Markets and in Life", em 2001. O livro era, naturalmente, uma ladainha sobre como Wall Street ilude a si própria e aos investidores com modelos de previsão perfeitos que regularmente são frustrados pela realidade.

Em 2002, Malcolm Gladwell fez um perfil de Taleb para a "The New Yorker", concentrando-se em seus investimentos em opções "out-of-the-money" baratas, apostando que o mercado subestimava a probabilidade de crashes. Então, ele foi lançado ao estrelato com a publicação de "The Black Swan: The Impact of the Highly Improbable" em maio de 2007, que ampliou suas críticas ao gerenciamento de riscos em Wall Street. Taleb disse que os modelos usados para medir e restringir os riscos eram inerentemente falhos porque não levavam em conta - e não podiam levar - a existência dos cisnes negros (o "black swan" do título do livro), eventos imprevisíveis e potencialmente desastrosos.

O timing de Taleb foi excelente: o livro chegou às livrarias poucos meses antes de os bancos começarem a anunciar baixas contáveis de bilhões de dólares nos valores de suas posições subprime. "The Black Swan" chegou ao topo da lista dos mais vendidos do "The New York Times", foi traduzido em mais de 27 idiomas e rendeu a Taleb a nomeação de professor ilustre de Engenharia de Risco na Universidade de Nova York, um título sob encomenda do qual ele se orgulha. "É a maior distinção conferida por eles nesse departamento", diz ele.

Na maneira de pensar de Taleb, a resposta mundial ao crash de 2008 serviu apenas para tornar a economia mais vulnerável aos cisnes negros. "A mesma análise que eu fiz em 2006 continua valendo hoje, com força ainda maior", afirma. "A situação está pior em ambas as frentes. Temos um inchaço crescente de obrigações contingenciais e riscos ocultos. Podemos estar, de uma maneira cosmética, progredindo nas coisas, mas nossos riscos e dívidas também estão crescendo. Acredito que as coisas vão apenas piorar porque perdemos muito tempo para reparar o sistema. Vivemos um momento sem precedentes."

Puramente pela linguagem bombástica, o único rival de Taleb é Marc Faber, que publica o "Gloom, Doom and Boom Report" a partir de sua casa em Hong Kong. Desde 2002, esse economista de 64 anos nascido em Zurique, na Suíça, vinha prevendo que o dólar iria se desvalorizar e, desde 2005, que um colapso econômico estava para atingir os EUA. Agora, Faber espera um default soberano com efeito dominó, e não está muito otimista em relação à China. Ele disse em uma entrevista à "Bloomberg Television" que a economia do país poderá "colapsar" em um ano. Quanto ao S&P, prevê uma queda de até 15% nos próximos seis meses. Como vamos lidar com toda essa turbulência? Na edição de junho de 2008 do "Gloom, Doom and Boom", ele recomendou que os americanos poderiam se ajudar partilhando "prostitutas e cerveja", porque elas são "os únicos produtos ainda fabricados nos EUA".

Para Stephen Roach, ficar fora da manada é uma coisa profissionalmente perigosa. Ao contrário da maior parte dos bears de 2008, ele trabalha dentro do establishment financeiro, tendo atuado até recentemente como presidente do conselho de administração do Morgan Stanley na Ásia. (Ele agora está voltando para Nova York, onde dividirá seu tempo entre o Morgan Stanley e dar aulas na Yale School of Management). "Nunca é fácil, especialmente quando você trabalha em Wall Street, especialmente quando há muita coisa em jogo para que os bons tempos continuem", diz. "É uma coisa diferente ser um acadêmico que pode fazer observações puramente com propósitos acadêmicos. É revigorante pensar e repensar suas posições."

Roach, 64, vem alertando Wall Street sobre uma crise iminente desde 2004, baseado em sua convicção de que a disparada dos preços dos imóveis residenciais estava alimentando um boom insustentável dos gastos do consumidor. Quando ele se mudou para Hong Kong em 2007, concentrou sua consternação no Oriente, afirmando que, para a economia mundial conseguir estabilidade, os asiáticos teriam de começar a gastar mais e os consumidores americanos teriam de começar a poupar mais.

Embora reconheça que "o mundo está definitivamente em situação melhor do que estava há um ano e meio", ele acredita que a crise da dívida na Europa vai atingir duramente os EUA. "Ninguém quer falar na possibilidade de uma recessão de duplo mergulho", diz ele, "mas ela está bem presente." O pacote de ajuda de US$ 962 bilhões elaborado pela União Europeia "não será suficiente", diz ele. "Contrações múltiplas inevitavelmente se seguirão." A política monetária é uma fonte de preocupação especial para Roach porque ele acredita que a preponderância do dinheiro fácil levou a bolhas e estouros. "Os formuladores de políticas fiscais e monetárias não me deixam confiante de que estão adotando, ou mesmo pensando a fundo, numa saída estratégica da política de juro zero e no fim dos déficits maciços."

Assim como Roach, Meredith Whitney fez suas previsões terríveis de dentro do establishment financeiro e é esta é uma das razões de elas terem provocado tanta agitação. Como analista da Oppenheimer, Whitney, 40, divulgou relatório com o aparentemente inofensivo intitulado "Estará o Dividendo do Citigroup Garantido? Ação Rebaixada por Causa de Preocupações com o Mercado de Capitais". A conclusão, porém, foi chocante: se o Citigroup não levantasse US$ 30 bilhões cortando seus dividendos ou se desfazendo rapidamente de ativos, ele certamente iria quebrar. As ações do Citigroup prontamente despencaram e numa questão de dias o executivo-chefe do banco, Chuck Prince, pediu demissão.

Whitney saiu da Oppenheimer em fundou a Meredith Whitney Advisory Group em fevereiro de 2009, onde ela continuou prevendo problemas para o setor bancário. O mercado julgou de outra forma. No segundo trimestre de 2009, com o setor bancário se recuperando com vigor dos níveis históricos de baixa, Whitney não fez previsões tão visionárias quanto sua análise do Citigroup. Ela estava cética com os esforços do governo americano para revitalizar os bancos e manteve sua postura pessimista. Ela continua extremamente cautelosa, afirmando que os bancos americanos enfrentam um segundo trimestre difícil por causa do aumento das exigências de capital, que vai reduzir a lucratividade dessas instituições.

Até mesmo as pessoas mais sofisticadas têm dificuldades para mudar seus pontos de vista, especialmente depois que eles foram declarados. "Os pontos de vista tendem a ser muito arraigados", diz Julie K. Norem, professora associada de psicologia do Wellesley College. "Os pessimistas prestam atenção a informações que são punitivas, e não recompensadoras, e este é o ponto de vista fundamental deles." (Tradução de Mário Zamarian)

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